sábado, 30 de junho de 2012

À propósito do poema de Drummond...

  No post anterior eu citei o soneto Drummondiano Destruição; poema impiedoso que nada contra a maré das ideias correntes desses tempos.
  Posto um soneto meu que vai pelo mesmo caminho (embora não possa dizer que tenha sido influenciado diretamente pelo poeta de Itabira...):

  A paixão não é o mundo. Conceber
  Que da mulher e do homem a porfia
  Seja (de quanto há) o que mais vale ao ser
  É a mais inerte e vã filosofia.


  Nela, teus sonhos hão de perecer
  Quais tuas reflexões, à revelia;
  Morrem a sanidade, o afã, o querer
  E os amigos (se é que os tiveste um dia...).


  Tu mesmo morres, por conta da face
  Que crias para a tua sobrepor
  Permitindo à outrem que teu fado trace.


  Mas eis que também és o matador,
  Pois não evitas que o ardor teu embace
  A imagem turva a que prestas louvor.


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sexta-feira, 29 de junho de 2012

A tragicomédia da comunicação entre as pessoas



Cena de O Ano Passado Em Marieband, de Alain Resnais

  Em certa altura da peça Seis Personagens À Procura De Um Autor, de Luigi Pirandello, lê-se essa fala do Pai:

  Mas, se todo o mal está nisto!... Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se nas palavras que digo ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos... e jamais nos entendemos!

  Cito também esse adágio que é para mim, dentre tantas frases que já li, uma das mais profundas reflexões sobre o ser humano:

  Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!...

  De fato, creio ser a comunicação entre as pessoas (inevitável, pois o ser humano não pode viver sozinho) talvez nosso problema maior. Essa Babel que existe em nosso ato de comunicar, mesmo que numa igual língua ou dialeto, responde por muitos de nossos dramas e também de nossas comédias comezinhas. 
  Falamos a mesma língua, mas não nós entendemos!
 Vejamos: o leitor se recorda de alguma conversa que tenha tido com alguém que, subitamente, ofendeu-se sem que para isso houvesse motivo (segundo seu ponto de vista...)? A título de ilustração, recentemente entabulei uma conversa via e-mail com um sujeito interessante e poeta de envergadura. A identificação foi imediata. Trocamos uns três e-mails cordiais e efusivos. Mas súbito, eis que o camarada rompe silenciosamente o contato após ler meu último e-mail e eu fico a rastrear o que o teria o ofendido no que disse... confesso, foi um verdadeiro exercício de hermenêutica obscura.
 Mas saindo de minhas mesquinhas misérias, a verdade é que em nossas relações a comunicação, que deveria nos unir, produz o efeito contrário; e como Pirandello nos ensina, isso é fruto dos universos particulares que cultivamos, de nossa mundividência e cultura singulares, e acentua-se ainda mais nesse tempo de egos suscetíveis e melindres descabidos. Estamos presos em nossas questões e deixamos de exercitar aquele dom de "desencarnar" de nossos corpos e nos por no lugar do outro. E se isso é verdade no que toca à amizade e demais relações cordiais, é tanto mais quando se fala em relações amorosas. Não foi por tal motivo que Drummond escreveu:

  Os amantes se amam cruelmente
  E com se amarem tanto não se vêem.
  Um se beija no outro, refletido. 
  Dois amantes que são? Dois inimigos.

  O que seria esse "se beijar no outro, refletido"? Drummond não estaria nos atirando à cara, sarcasticamente (como aliás é de seus feitio), nossa incapacidade de aceitar que uma relação é um choque violento de visões de mundo e culturas? E a linguagem com a qual essa relação é construída? É a linguagem do consenso, do mútuo entendimento, ou é a polissemia dos sentimentos confusos, dos egos em luta?
  Na linguística se fala dos "universais" linguísticos: elementos que se fazem presentes na língua humana, seja em qualquer cultura (o substantivo, por exemplo). A questão é nós, pequenos seres humanos, descobrirmos os "universais sentimentais" ou "reflexões universais", dando às palavras como romance ou verdade um sentido comum, ao menos para podermos realmente conviver.
  Logicamente que o que nos enriquece justamente é o fato de pensarmos e nos expressarmos de forma diferente, mas a cada dia constato que aí também reside o motivo de nossa perpétua distância.
   

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Um adendo ao post anterior

  Escrevi esse soneto muito antes de haver publicado o post anterior. É significativa a relação que os dois textos estabelecem se postos lado a lado...


   Aceita, deste mundo, a solidão
   A que todo ser está destinado;
   Que importa à alguém o que há em teu coração?
   Teus anseios, quem os terá escutado?

   Estarás sempre só na multidão
   Carregando em ti teu EU ignorado
   (Só Deus entende tua imensidão,
   Mas Dele, em teu andar, tens te afastado...);

   Fecha teus olhos (podes fazê-lo ainda)
   E então, explorador, mergulhe fundo
   No obscuro mar onde nada se linda...

   Súb'to verás, no pélago profundo,
   De Cristais mil uma Atlântida infinda:
   Teu refúgio excelso ao opróbrio do mundo.

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terça-feira, 26 de junho de 2012

Sobre o nonsense que envolve esses dias

  Em Memórias do subterrâneo (a tradução - tão criticada - que li foi a das obras completas de Dostoiévski da Nova Aguilar - Natália Nunes e Oscar Mendes) lemos, à certa altura do texto, o seguinte: 

"Em todo o tempo, para cada indivíduo, bastaria a simples consciência humana, isto é, metade, senão a quarta parte daquela que costuma possuir o homem inteligente do nosso infeliz século [século XIX] (...)"

E mais:

  " Conservo a firme convicção de que não só a consciência demasiada constitui uma doença, como de que a consciência, só por si, por pouca que seja, já o é também"

  À propósito, vale lembrar que Dostoiévski era tido por muitos como um "profeta", o "profeta russo". Faço a citação de sua obra e da alcunha anterior para avaliar como suas palavras soam verdadeiras se aplicadas nesse "mais que infeliz" século no qual vivemos. 
 À respeito dos gostos e da vida social que você, leitor eventual, tem, nada posso dizer... mas compartilhamos de iguais veículos de comunicação para observar o mundo.
  A televisão e o mundo da web nos trazem um estranho terreno de inclinações que exige de nós uma postura: aderir ou rejeitar. Não há lugar para meio termo. Se adere, o sujeito se adultera, alienando-se de si mesmo, em troca de... um vazio existencial. Se rejeita, o desconforto será talvez uma carga com a qual não conseguirá lidar...
  E que mundo é esse, o dos veículos eletrônicos? Sexista, ególatra, pseudo-moralístico e preso à superfície de tudo quanto existe. É um mundo que se libera dos recalques que acompanham há muito o ser humano (e com muito mais razão num Brasil pós-anos sessenta), e dão a essa liberação escatológica o nome de "democracia e liberdade de expressão". 
  Se não é a mulher nua e curvilínea que aparece de súbito, inconveniente, diante de nós após um clique de mouse, são as chacotas de gosto duvidoso de programas humorísticos reproduzindo os ditames de uma sociedade que exclui o que não está dentro de seus parâmetros (e esse humor se propala como "subversivo" a essa própria sociedade!). Em torno de simples sites (ou sítios), vinculam-se um sem número  de propagandas a nos fazer refletir se o ser humano necessita mesmo de tanto para viver; e o que dizer dos assombrosos avanços eletrônicos que se por um lado ampliam nossas dimensões (do que este próprio veículo de que me utilizo é um exemplo válido), por outro lado nos tornam egocêntricos e acomodados, em busca da tv que se manuseia pelo controle de voz, ou pela mão/mouse que nos permite (ó dádiva abençoada!) a controlar tudo da posição confortável em que nos encontramos... O interessante é que esse consumo desenfreado responde por nossa angústia de almejar algo que está sempre distante de nós. Direcionamos nossa energia em busca do que não temos (e que, geralmente, não precisamos ter).
  Se você, leitor, opta por nadar contra a corrente, estará destinado a repetir o jargão do Homem do Subterrâneo: "eu sou um, e eles são todos". Não se trata de declarar guerra ao "todos", mas de não encontrar a outra margem com a qual seu espírito irá se relacionar... e isso é angustiante.
  É perigoso, demasiado perigoso, ter uma consciência mínima nesse mundo. Olhar ao redor e ver que muito do que há não faz sentido. E se refugiar nas páginas de um livro, a salvo do resto, não resolve o problema. Isso porque a Literatura existe para incomodar, nos tirar da zona de conforto. Essa é sua principal dádiva, mas também sua maldição...
  Enfim, "dois e dois são quatro" à despeito da vontade do leitor, da minha e da do Homem do Subterrâneo. A quem se revolta contra essa aritmética resta cultivar um mundo alternativo, ainda que inserido neste mundo. O personagem dostoiévskiano trancou-se em seu subterrâneo, longe de tudo o mais...
  Que o leitor e este pequeno blogueiro procurem seu lugar.