terça-feira, 26 de junho de 2012

Sobre o nonsense que envolve esses dias

  Em Memórias do subterrâneo (a tradução - tão criticada - que li foi a das obras completas de Dostoiévski da Nova Aguilar - Natália Nunes e Oscar Mendes) lemos, à certa altura do texto, o seguinte: 

"Em todo o tempo, para cada indivíduo, bastaria a simples consciência humana, isto é, metade, senão a quarta parte daquela que costuma possuir o homem inteligente do nosso infeliz século [século XIX] (...)"

E mais:

  " Conservo a firme convicção de que não só a consciência demasiada constitui uma doença, como de que a consciência, só por si, por pouca que seja, já o é também"

  À propósito, vale lembrar que Dostoiévski era tido por muitos como um "profeta", o "profeta russo". Faço a citação de sua obra e da alcunha anterior para avaliar como suas palavras soam verdadeiras se aplicadas nesse "mais que infeliz" século no qual vivemos. 
 À respeito dos gostos e da vida social que você, leitor eventual, tem, nada posso dizer... mas compartilhamos de iguais veículos de comunicação para observar o mundo.
  A televisão e o mundo da web nos trazem um estranho terreno de inclinações que exige de nós uma postura: aderir ou rejeitar. Não há lugar para meio termo. Se adere, o sujeito se adultera, alienando-se de si mesmo, em troca de... um vazio existencial. Se rejeita, o desconforto será talvez uma carga com a qual não conseguirá lidar...
  E que mundo é esse, o dos veículos eletrônicos? Sexista, ególatra, pseudo-moralístico e preso à superfície de tudo quanto existe. É um mundo que se libera dos recalques que acompanham há muito o ser humano (e com muito mais razão num Brasil pós-anos sessenta), e dão a essa liberação escatológica o nome de "democracia e liberdade de expressão". 
  Se não é a mulher nua e curvilínea que aparece de súbito, inconveniente, diante de nós após um clique de mouse, são as chacotas de gosto duvidoso de programas humorísticos reproduzindo os ditames de uma sociedade que exclui o que não está dentro de seus parâmetros (e esse humor se propala como "subversivo" a essa própria sociedade!). Em torno de simples sites (ou sítios), vinculam-se um sem número  de propagandas a nos fazer refletir se o ser humano necessita mesmo de tanto para viver; e o que dizer dos assombrosos avanços eletrônicos que se por um lado ampliam nossas dimensões (do que este próprio veículo de que me utilizo é um exemplo válido), por outro lado nos tornam egocêntricos e acomodados, em busca da tv que se manuseia pelo controle de voz, ou pela mão/mouse que nos permite (ó dádiva abençoada!) a controlar tudo da posição confortável em que nos encontramos... O interessante é que esse consumo desenfreado responde por nossa angústia de almejar algo que está sempre distante de nós. Direcionamos nossa energia em busca do que não temos (e que, geralmente, não precisamos ter).
  Se você, leitor, opta por nadar contra a corrente, estará destinado a repetir o jargão do Homem do Subterrâneo: "eu sou um, e eles são todos". Não se trata de declarar guerra ao "todos", mas de não encontrar a outra margem com a qual seu espírito irá se relacionar... e isso é angustiante.
  É perigoso, demasiado perigoso, ter uma consciência mínima nesse mundo. Olhar ao redor e ver que muito do que há não faz sentido. E se refugiar nas páginas de um livro, a salvo do resto, não resolve o problema. Isso porque a Literatura existe para incomodar, nos tirar da zona de conforto. Essa é sua principal dádiva, mas também sua maldição...
  Enfim, "dois e dois são quatro" à despeito da vontade do leitor, da minha e da do Homem do Subterrâneo. A quem se revolta contra essa aritmética resta cultivar um mundo alternativo, ainda que inserido neste mundo. O personagem dostoiévskiano trancou-se em seu subterrâneo, longe de tudo o mais...
  Que o leitor e este pequeno blogueiro procurem seu lugar.

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