Cena de O Ano Passado Em Marieband, de Alain Resnais
Em certa altura da peça Seis Personagens À Procura De Um Autor, de Luigi Pirandello, lê-se essa fala do Pai:
Mas, se todo o mal está
nisto!... Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada
qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se nas
palavras que digo ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim,
enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas
têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos... e jamais nos
entendemos!
Cito também esse adágio que é para mim, dentre tantas frases que já li, uma das
mais profundas reflexões sobre o ser humano:
Se
nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!...
De fato, creio ser a
comunicação entre as pessoas (inevitável, pois o ser humano não pode viver
sozinho) talvez nosso problema maior. Essa Babel que existe em nosso ato de
comunicar, mesmo que numa igual língua ou dialeto, responde por muitos de nossos
dramas e também de nossas comédias comezinhas.
Falamos a mesma língua, mas não nós entendemos!
Vejamos:
o leitor se recorda de alguma conversa que tenha tido com alguém que,
subitamente, ofendeu-se sem que para isso houvesse motivo (segundo seu ponto de
vista...)? A título de ilustração, recentemente entabulei uma conversa via
e-mail com um sujeito interessante e poeta de envergadura. A identificação foi
imediata. Trocamos uns três e-mails cordiais e efusivos. Mas súbito, eis que o
camarada rompe silenciosamente o contato após ler meu último e-mail e eu fico a
rastrear o que o teria o ofendido no que disse... confesso, foi um verdadeiro
exercício de hermenêutica obscura.
Mas
saindo de minhas mesquinhas misérias, a verdade é que em nossas relações a
comunicação, que deveria nos unir, produz o efeito contrário; e como Pirandello
nos ensina, isso é fruto dos universos particulares que cultivamos, de nossa
mundividência e cultura singulares, e acentua-se ainda mais nesse tempo de egos
suscetíveis e melindres descabidos. Estamos presos em nossas questões e
deixamos de exercitar aquele dom de "desencarnar" de nossos corpos e
nos por no lugar do outro. E se isso é verdade no que toca à amizade e demais
relações cordiais, é tanto mais quando se fala em relações amorosas. Não foi
por tal motivo que Drummond escreveu:
Os amantes
se amam cruelmente
E com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
O que
seria esse "se beijar no outro, refletido"? Drummond não estaria nos
atirando à cara, sarcasticamente (como aliás é de seus feitio), nossa
incapacidade de aceitar que uma relação é um choque violento de visões de mundo
e culturas? E a linguagem com a qual essa relação é construída? É a linguagem
do consenso, do mútuo entendimento, ou é a polissemia dos sentimentos confusos,
dos egos em luta?
Na linguística se fala dos "universais" linguísticos: elementos que
se fazem presentes na língua humana, seja em qualquer cultura (o substantivo,
por exemplo). A questão é nós, pequenos seres humanos, descobrirmos os
"universais sentimentais" ou "reflexões universais", dando
às palavras como romance ou verdade um sentido comum,
ao menos para podermos realmente conviver.
Logicamente que o que nos enriquece justamente é o fato de pensarmos e nos
expressarmos de forma diferente, mas a cada dia constato que aí também reside o
motivo de nossa perpétua distância.
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