terça-feira, 3 de julho de 2012

A música enquanto arte

  A música é a arte mais idiossincrática (do ponto de vista de quem a desfruta) dentre todas as expressões artísticas que existem. Não há meio termo: ou a pessoa descarta a composição (muitas vezes por causa de sua forma - a melodia), ou a curti. A questão da música (moderna) reside na dicotomia significante/significado.
  Uso esses dois termos porque ilustram melhor a essência do problema. O leitor me permita uma digressão à respeito:
  Os termos significante/significado se disseminaram após as reflexões sobre a língua que o linguista suíço Saussure fizera em seu Curso de Linguística Geral. Em síntese, significante é a forma gráfica que a "coisa" é representada; significado é a "coisa" em si. Assim, o significante "cara" nomeia vulgarmente o rosto humano, como também qualifica algo de custo elevado. Eis dois significados do significante "cara".
  Os termos não são exclusivos da Linguística. Massaud Moisés já os aplicara em sua Análise Literária para refletir a relação estabelecida entre a forma que um texto é escrito e seu conteúdo. Além disso a semiótica peirciana via bem esse aspecto (principalmente na instância dos signos: qualissignos, sinsignos e legissignos), fora a intuição sempre surpreendente dos literatos de épocas passadas, que faziam da relação conteúdo/forma sua linguagem rotineira (leia-se o poema A Valsa, de Casimiro de Abreu, por exemplo).
  Mas o que tem isso a ver com música? 
 A meu ver, a grande questão do ouvinte é se deter na melodia (a forma, o significante), e ignorar plenamente a letra (o significado). Senão, como se explica o sucesso de algo como "Eu quero tchu, eu quero tcha" (além do marketing do Neymar...), uma composição esdrúxula que se apropria, em sua forma, de dois ritmos popularescos, forró e funk, e nelas sustenta todo seu interesse? Não temos testemunhado inúmeros casos de igual natureza no mundo musical? 
 Mas não é apenas essa concentração na forma que dá a dimensão do problema atual. Sim, pois há um problema no mundo artístico da música, como em todas as outras artes, e esse problema reside no fato de que ela, a música, deixou de ser um poderoso estimulante para a mente de quem a ouve, passando a exercitar mais os quadris e pernas que os neurônios desse ouvinte. Esse entorpecimento pela forma, entretanto, já existia na época das músicas de câmara, ou eruditas, e o ouvinte que as desfrutava o fazia silenciosamente, concentrado, dentro da "aura" própria para se ouvir a composição (como bem apontou Walter Benjamin). Ela estimulava sua mente, seu espírito, dentro de sua abstração. 
  Ora, então o que ocorre atualmente? Por que a música já não é uma arte como fora outrora?
 Talvez a resposta esteja nessa mesma "aura" perdida nesses tempos de ipods, mp3 e celulares. Hoje, o ouvinte aprecia uma canção enquanto "twitta" seu dia-a-dia, ou vê um vídeo silencioso no youtube, etc. Em síntese, não há mais o momento propício em que todos os sentidos se voltam à obra sonora, assim como também não há tantos peritos nessa área. A indústria cultural venceu em sua tarefa de empobrecer e tiranizar  os gostos do ouvinte, e este, por sua vez, tem na música a sublimação de seus recalques e taras, valorizando composições torpes e escatológicas, não raro usadas como mediadoras da aceitação social em um grupo ou  para favorecer um flerte.
  Enfim, a música perdeu seu poder transformador e subversivo. Resta agora saber até quanto tempo. 

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