quinta-feira, 12 de julho de 2012

Reflexões sobre A Moreninha




Nessas férias escolares (as quais me dizem respeito particularmente, uma vez que leciono no estado), decidi por minhas leituras em dia. Mais importante que isso: decidi escrever pequenas notas dos livros que planejava ler, projeto que já havia determinado sem contudo  haver cumprido. E para minha primeira leitura, tive que me livrar de um velho cacoete: o de ler apenas livros literários de envergadura.
  É vergonhoso admitir, mas protelei muito ler livros cujo conhecimento era obrigação. Durante muito tempo, li apenas livros que me acrescentavam algo enquanto escritor e esteta. Ignorei as leituras obrigatórios de nossa literatura.
  Eis então que empreendo a primeira leitura: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo.
  Primeiramente, uma constatação: o livro não era exatamente o que eu pensava. Já tarimbado pela experiência do Amor de Perdição, esperava um livro lacrimoso e dramático. Qual não foi minha surpresa quando dei, logo de cara, com uma narrativa burlesca sobre a vida de estudantes de medicina? Estudantes estes que, além de troçarem uns com os outros, propõem-se uma aposta à respeito do mais inconstante e pretensamente leviano deles (e o herói da estória), o estudante Augusto: se ele cair de amores por uma das garotas que habitam a Ilha de..., lar da família de seu amigo Filipe,  terá que escrever um romance celebrando o fato.
  Não vou me deter muito na estória, mas apenas em minhas impressões. Resumos são acessíveis: basta um clique no google (termo já muito conhecido por nossos estudantes atuais). O que cabe são as impressões, e as tive, tanto positivas quanto negativas.
  A Moreninha é um livro previsível. Logo de cara, sabemos que Augusto perderá a aposta (a escola literária já nos concede esta certeza); a certeza inclusive aumenta quando conhecemos sua história juvenil, contada à sua anfitriã, Dª Ana, sobre um elo sentimental estabelecido com uma garota. A vida trata de separar esses dois amantes, para no fim uni-los na revelação final de que a moreninha é sua amada perdida. E nessa toada, percebemos que estamos lendo um livro leve, mais destinado a entreter que a refletir.
  O livro se constitui de personagens um tanto rasos no aspecto psicológico. Mesmo o personagem principal se recente de algumas contradições, pois é difícil aliar sua superficialidade atual de "amante desiludido" com a constância e amor pregressos. Carolina, a moreninha do título, é a que mais tem contornos definidos, no entanto os maneirismos do Romantismo (do pobre romantismo, frise-se) acabam por prejudicá-la, pois aceitamos que ela queira libertar seu amado da frivolidade agindo como age com ele, mas não entendemos por que retarda tanto a revelação final. Certamente o faz para proporcionar ao leitor de folhetins aquela emoção calculada, clichê que persiste ainda hoje nas "modernas" telenovelas.
  O que mantêm o interesse do livro é seu leve acento cômico (que por vezes resvala em mal gosto). Sorrimos diante das figuras dos "velhos maçantes", sempre tripudiados quando postos em comparação com os belos e românticos jovens; do alemão beberão; da criadagem ladina ou simplória (observe-se os "crioulos" que aparecem no texto, e como são tratados). Menção honrosa seja feita aos diálogos espirituosos, às cantadas elaboradas, à linguagem que oscila sempre entre o elegante e o popular da época. Pena que todas essas qualidades estejam à serviço de um veículo pobre em suas intenções, estas não muito diferentes de novelas atuais que abundam na televisão. É difícil convencer o aluno de que a literatura lhe revela uma realidade que não enxergaria sem ela, usando como material de apoio um romance como A Moreninha.
  Aprendi com meu mestre literário Proust que a literatura exerce a função de um instrumento óptico que amplia aquilo que mal enxergaríamos em nós (e no mundo) sem ela. Esse adágio proustiano me ajuda inclusive a separar a grande da pequena literatura, uma vez que ela é produzida para incomodar, tirar o leitor de sua cômoda perspectiva.
  É essa bússola do grande escritor francês que me faz constatar que A Moreninha, um simples romance de costumes, faz parte da pequena literatura, mais de valor histórico que estético, ainda sim uma leitura interessante e agradável, justamente por seus atributos.

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